Em Alguém disse totalitarismo? Cinco intervenções no (mau) uso de uma noção, Slavoj Zizek enfrenta o famigerado e pouco palatável tema do totalitarismo. Evitando tanto o polemismo barato quanto o detalhamento repetitivo, o filósofo esloveno insere sua análise nos impasses ideológicos mais candentes do presente.
Ao invés de apresentar uma crítica política às estruturas de exceção que constituem a administração totalitária, Zizek defende que a própria noção de "totalitarismo", longe de ser um conceito teórico efetivo, funciona essencialmente como um tapa-buraco: "em vez de possibilitar nosso pensamento, forçando-nos a adquirir uma nova visão sobre a realidade histórica que ela descreve, ela nos desobriga de pensar, ou nos impede ativamente de pensar".
Para explicar seu raciocínio, ele provoca: "Na embalagem do chá verde Celestial Seasonings há uma breve explicação de seus benefícios: 'O chá verde é uma fonte natural de antioxidantes que neutralizam os radicais livres, moléculas nocivas ao nosso corpo. Controlando os radicais livres, os antioxidantes ajudam o corpo a manter a saúde'. Mutatis mutandis, a noção de totalitarismo não é um dos principais antioxidantes ideológicos, cuja função durante toda sua existência foi controlar os radicais livres e, assim, ajudar o corpo social a manter sua saúde político-ideológica?".
Aqui, o filósofo não teme afirmar que os principais setores intelectuais - tanto à direita quanto à esquerda - se situam em campos ideológicos idênticos. Em toda a sua existência, o 'totalitarismo' foi uma noção ideológica que amparou a complexa operação de 'controle dos radicais livres', garantindo a hegemonia liberal-democrática, rejeitando a crítica de esquerda de que a democracia liberal seria o anverso, a 'irmã gêmea' da ditadura fascista de direita.
E é inútil, segundo ele, tentar salvar o conceito dividindo-o em subcategorias (enfatizando a diferença entre suas variantes fascista e comunista): no momento em que aceitamos a noção de "totalitarismo", entramos firmemente no horizonte liberal-democrático.
A fusão explosiva entre psicanálise lacaniana, crítica da economia política marxista e filosofia hegeliana tem como objetivo solapar o consenso liberal-democrático que sustenta a própria designação de totalitarismo. Para ?i?ek, é preciso ousadia para quebrar, sem temor, esses tabus liberais: "E daí se formos acusados de 'antidemocráticos', 'totalitários'...". Não se trata de salvar a experiência hitlerista ou stalinista da sombra do totalitarismo - Zizek é o primeiro a criticar as contradições do comunismo real -, mas sim de demonstrar como o termo diz mais sobre a ideologia neoliberal que o projeta.
O "totalitarismo" é definido por Zizek com base em quatro noções centrais:
o Holocausto como o supremo Mal absoluto;
o gulag stalinista como a suposta verdade do projeto socialista;
os fundamentalismos étnicos e religiosos, combatidos pela tolerância multicultural.